Mais do que uma festa de fantasias, o Halloween é um espelho das nossas próprias sombras — e, no caso do Brasil, um reflexo curioso da mistura entre cultura, religião e criatividade popular.
Segundo dados da Sala Digital, o interesse dos brasileiros pelo Dia das Bruxas cresce de forma consistente no Google nos últimos anos, ainda que o país ocupe apenas a 36ª posição global em engajamento com o tema. O que indica que, por aqui, a data pode não ser uma tradição, mas ainda assim gera convites para festas a fantasia, decorações e a famosa “gostosuras ou travessuras”.
Apesar de nos Estados Unidos a data ser uma das mais icônicas e lucrativas do calendário, não são os americanos que originaram essa história. Atualmente são, de fato, os mais engajados, tanto que lideram o interesse sobre a festa. A segunda colocada, porém, revela o real berço da celebração: a Irlanda.
A origem celta e o “véu” entre dois mundos
Os antigos celtas acreditavam que, na noite de 31 de outubro, o véu entre o mundo dos vivos e o dos mortos se tornava mais fino. As pessoas acendiam fogueiras para guiar as almas e usavam máscaras para enganar espíritos errantes — prática que deu origem às fantasias atuais.
Essa tradição, chamada Samhain, existe há mais de dois mil anos e marcava o fim da colheita e o início do ano novo celta. Era um ritual de transição: o encerramento de um ciclo e o começo de outro.
O símbolo mais famoso do Halloween, a Jack O’Lantern, também nasceu de uma antiga lenda irlandesa. Ela conta a história de Jack Miserable, um homem beberrão e trapaceiro que, em uma de suas muitas armações, conseguiu enganar o próprio Diabo. Certa noite, Jack convidou o demônio para beber, mas se recusou a pagar a conta e o convenceu a se transformar em uma moeda para quitá-la. Assim que o Diabo o fez, Jack o prendeu dentro de um bolso com uma cruz, impedindo-o de voltar à sua forma original.
Depois de muito barganhar, Jack libertou o Diabo com a promessa de que jamais seria levado para o inferno. Anos depois, quando morreu, sua alma foi rejeitada também no Céu — e, como punição, o Diabo lhe deu apenas uma brasa do inferno, para que pudesse iluminar seu caminho na escuridão eterna. Jack colocou a brasa dentro de um nabo oco, usando-a como lanterna enquanto vagava pelo mundo dos vivos.
Qual o significado da abóbora no Halloween?
Quando a tradição chegou aos Estados Unidos, o nabo foi substituído pela abóbora, mais abundante por lá (e, convenhamos, mais fotogênica).
A figura de Jack O’Lantern se tornou o emblema da data: um rosto esculpido na escuridão, com uma luz tremulante por dentro, lembrando que até o medo pode ser transformado em brilho.
O Halloween abrasileirado: do “faça você mesmo” à dúvida religiosa
Se no exterior o Halloween é sinônimo de grandes festas e produção cinematográfica, no Brasil a curiosidade se traduz em buscas que misturam inspiração prática e conflito cultural.
Nos sete dias que antecedem a data, o público brasileiro volta suas atenções ao improviso e à criatividade: as perguntas mais feitas são “Como fazer fantasia de Halloween com roupas normais?” e “Como fazer uma capa de Halloween?”.
A alta dessas buscas revela uma forte tendência DIY (Do It Yourself ou “faça você mesmo”) mostrando que o brasileiro quer participar da festa de forma acessível, com soluções caseiras e personalizadas.
Outro destaque nas buscas é a decoração: expressões como “Como fazer cabeça de abóbora de Halloween?” e “Como fazer sangue falso?” mostram o interesse crescente por símbolos clássicos, especialmente a Jack O’Lantern, que tem sido reinterpretada com toques tropicais e muita criatividade.
Mas o interesse brasileiro não se limita ao visual. Nos últimos cinco anos, o país tem mostrado uma busca constante por entendimento e validação cultural da data. Termos como “O que significa Halloween?”, “Qual a origem do Halloween?” e “Por que o Halloween é comemorado dia 31 de outubro?” estão entre os mais pesquisados — uma tentativa de compreender uma festa que, embora global, ainda soa estrangeira.
Halloween é feriado?
Além, claro, do constante em interesse em saber se o Halloween é um feriado oficial. Apesar de ser amplamente celebrado, não. Nem aqui, nem em nenhum país — nem mesmo nos Estados Unidos.
No Brasil, o dia 31 de outubro também não é feriado nacional, embora em algumas cidades e escolas haja comemorações temáticas. A coincidência é que, no mesmo dia, celebra-se por aqui o Dia do Saci, criado em 2003 como uma forma de valorizar o folclore brasileiro.
Entre o sagrado e o profano
Entre as perguntas mais recorrentes, duas chamam atenção pela natureza religiosa: “O que significa Halloween para os evangélicos?” e “Cristão pode comemorar Halloween?”.
Essas buscas revelam uma tensão latente. Parte do público associa o Halloween a temas “demoníacos” ou “anticristãos”, num discurso reforçado por líderes religiosos que incentivam celebrações alternativas.
As dúvidas mostram que o Brasil vive uma disputa simbólica em torno da data: enquanto uns a veem como expressão cultural e criativa, outros a encaram como um território espiritual perigoso.
O símbolo por trás da festa
As cores e os símbolos do Halloween também têm origens antigas e significados profundos. O laranja representa a vitalidade e a colheita; o preto, o mistério e a morte; o roxo, a magia e a transição.
Já figuras como a aranha, o morcego e o gato preto expressam arquétipos de destino, clarividência e liberdade, diferentes dos clichês de azar que a cultura popular lhes atribuiu.


